Palavras cruzadas
Eras um homem belo, sereno. Trinta e poucos anos e traços de rosto suaves. Vivias resguardado pela calma que o teu olhar projectava no cosmos. Tinha a certeza que delineavas a vida através da quietude oceânica desse olhar que tacteava suavemente a imensidão que é a descoberta do eu.
Hoje, dez anos passados, encontro-te na mesma mesa da pastelaria que ocupavas sempre com alguma companhia nova. Observei-te discretamente e adivinhei um cintilar de aço, uma raiva muda, uma necessidade de cerrar as pálpebras e ignorar que ainda tens outro tanto de percurso à tua frente. Pequenas rugas tornaram-se nítidas. Sofres, sinto-o. Chegaste aqui e a vida traiu-te. Amaste e perdeste. Recordas a ânsia com que descobrias o horizonte, protegido pelo teu olhar. Um olhar que no passado me hipnotizava, porque tudo em ti respirava azul.
O brilho de aço assusta-me.
Recusas as rugas, o espelho, as falhas humanas a que a vida te obrigou. A tua perfeição anilada fugiu-te por entre os dedos. A dúvida domina-te. Segues em frente ou quedas-te imóvel e sem fantasia? Conversas contigo silenciosamente. Monólogos a descoberto de ninguém. Monólogos invisíveis que nem eu descortinaria se não fossem as pequenas rugas na testa que te denunciam. Desenha-se-te um ar surpreso no semblante. A traição da vida deixa-te perplexo, não esperaste por ela prevenido, encontrou-te nu, sem defesa e não teve pudor em entrar por ti adentro qual fantasma do qual nem a brisa sentiste.
Sinais, rugas, espelhos, amores, traições e lágrimas. Revolves tudo em busca de um sentido, de uma resposta e as areias movediças que não soubeste pressentir avassalam-te.
Um relâmpago, um solavanco e a vida tornar-se-ia outra. Esperas tão inutilmente que te digam de forma cifrada que caminho seguir... Esqueces o essencial... Não temos domínio sobre o imperceptível e os sinais que buscas surgem do nada, inundam-nos e arrebatam-nos, sem regras nem traduções à letra ou entendimentos palpáveis.
Adivinho-te porque ouvia as tuas reflexões - no vazio porque as tuas companheiras sorriam como se fossem máscaras num Carnaval em Veneza - e invisível na minha adolescência continuava as palavras cruzadas, atenta.
Levanto-me da minha mesa - ainda faço palavras cruzadas imagina - aproximo-me da tua e sento-me. Sorrio e pergunto-te se te lembras da miúda a quem emprestavas a caneta.

Hoje, dez anos passados, encontro-te na mesma mesa da pastelaria que ocupavas sempre com alguma companhia nova. Observei-te discretamente e adivinhei um cintilar de aço, uma raiva muda, uma necessidade de cerrar as pálpebras e ignorar que ainda tens outro tanto de percurso à tua frente. Pequenas rugas tornaram-se nítidas. Sofres, sinto-o. Chegaste aqui e a vida traiu-te. Amaste e perdeste. Recordas a ânsia com que descobrias o horizonte, protegido pelo teu olhar. Um olhar que no passado me hipnotizava, porque tudo em ti respirava azul.
O brilho de aço assusta-me.
Recusas as rugas, o espelho, as falhas humanas a que a vida te obrigou. A tua perfeição anilada fugiu-te por entre os dedos. A dúvida domina-te. Segues em frente ou quedas-te imóvel e sem fantasia? Conversas contigo silenciosamente. Monólogos a descoberto de ninguém. Monólogos invisíveis que nem eu descortinaria se não fossem as pequenas rugas na testa que te denunciam. Desenha-se-te um ar surpreso no semblante. A traição da vida deixa-te perplexo, não esperaste por ela prevenido, encontrou-te nu, sem defesa e não teve pudor em entrar por ti adentro qual fantasma do qual nem a brisa sentiste.
Sinais, rugas, espelhos, amores, traições e lágrimas. Revolves tudo em busca de um sentido, de uma resposta e as areias movediças que não soubeste pressentir avassalam-te.
Um relâmpago, um solavanco e a vida tornar-se-ia outra. Esperas tão inutilmente que te digam de forma cifrada que caminho seguir... Esqueces o essencial... Não temos domínio sobre o imperceptível e os sinais que buscas surgem do nada, inundam-nos e arrebatam-nos, sem regras nem traduções à letra ou entendimentos palpáveis.
Adivinho-te porque ouvia as tuas reflexões - no vazio porque as tuas companheiras sorriam como se fossem máscaras num Carnaval em Veneza - e invisível na minha adolescência continuava as palavras cruzadas, atenta.
Levanto-me da minha mesa - ainda faço palavras cruzadas imagina - aproximo-me da tua e sento-me. Sorrio e pergunto-te se te lembras da miúda a quem emprestavas a caneta.
Olá minha querida Raquel, mais um post excelente, como só tu sabes escrever. beijinhos amiga e bom fim de semana
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José de Portugal |
09 dezembro, 2005 17:35
delicioso olhar/diálogo sobre o envelhecimento.
bom f.s
B
j
o
c
a
s
de luz e paz
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Conceição Paulino |
09 dezembro, 2005 17:50
Bom... Estou a entrar nos 30 e as rugas começam a aparecer...
Qualquer dia vem alguém ter comigo...
Beijos
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Miguel de Terceleiros |
09 dezembro, 2005 21:57
Lindo Raquel.
Não só pela atmosfera que vais criando, não só pela fluidez e certeza das palavras, mas também, e principalmente (na minha modesta opinião) pelo que não dizes, pelo que insinuas, pelo que vais dizendo, ao fim e ao cabo, nas entrelinhas.Este é mais um dos que não é apenas bom, é excelente.
Beijinhos e bfs.
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Nilson Barcelli |
09 dezembro, 2005 23:13
Impressionantemente belo....
beijo
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Afrodite |
10 dezembro, 2005 01:45
magnifico este texto sobre a vida, sobre o passado e o presente, sobre o antes e do depois, o tempo, as desilusões, as marcas/rugas
como sempre é um prazer ler-te, pq brincas dum modo maravilhoso com as palavras, fazendo-as transbordar de sentimento
jocas maradas
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Su |
10 dezembro, 2005 01:50
é a vida a cores
tudo e todos passam por isso
até os poemas
.............as palavras cruzadas
os gatos...."os infaliveis".
(parabens. é a primeira vez que alguem consegue por-me a ler um texto com uma tematica destas.)
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Art&Tal |
10 dezembro, 2005 07:54
Querida Ana
Já não me surpreendo,nem com o texto, nem com a pergunta... digamos que no aço se espelharam máscaras, mas também olhares, que denunciavam sentimentos que sempre ficam...
Um beijo
Daniel
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Daniel Aladiah |
10 dezembro, 2005 19:25
Existem marcas que nos trazem lembranças, só a imagem se vai alterando pelos desenhos de linhas cravadas na pele, sentimos o frio do aço ao ser tocada. Mas continuamos a cruzar as palavras alterando os nossos sentidos.
Lindo mesmo este texto
Beijos
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Anónimo |
11 dezembro, 2005 02:48
Mais um excelente texto. Gosto do modo como expões sentimentos, misturados com cor e matéria.
De nada serve recusar a realidade, muito menos ignorar a consequência dos nossos comportamentos.
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Graca Neves - mgbon |
11 dezembro, 2005 11:44
um excelente texto. claro. mas dizer isto é uma banalidade. por isso me atrevo a afirmar que é um texto "feminino". na sua vocação de salvar a "humanidade" daquele rosto.
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gato_escaldado |
12 dezembro, 2005 16:02
"Vi-me" na mesa ao lado a adivinhar o diálogo.Porque não um post sobre ele?
Fico sempre com pena,quendo acabo de ler os teus textos...quero sempre mais!
Parabéns!
bjokas ":o)
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Anna^ |
13 dezembro, 2005 19:14
Muito bonito... mas essa é a tragédia da vida, madrasta para a maior parte.
Foi encantadora a pergunta com que finalizaste o conto, talvez a tentar que ele pudesse recriar a vida andando uns anos para trás.
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mfc |
13 dezembro, 2005 21:50
amiga, parabéns pela capa do livro do Frog. bjocas de luz e paz :)
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Conceição Paulino |
14 dezembro, 2005 17:27
A mais bela sensação que se pode experimentar é a sensação do mistério, fonte de toda a arte e de toda a verdadeira ciência.
Quem nunca conheceu essa emoção, quem nunca experimentou o dom da admiração e o do êxtase, mais lhe valeria estar morto. Tem os olhos fechados... (Albert Einstein)
Este pensamento, fluiu, não da mente dum poeta, mas da mente de alguém que descobriu que mais importante que o saber é a emoção de sentir-se a poesia na maravilha da descoberta.
Sentir, ao franquear uma passagem, que se abre todo um mundo de novidade com muitos mais mistérios fascinantes e impensados por desvendar. Cada um a maravilhar-nos mais que o anterior. Abrindo cada um por si uma sucessão nova e apaixonante de novas portas, de novos horizontes.
Como a aventura do empenho numa vida a dois pautada pela eterna descoberta mútua.
Exige dádiva, entrega.
Alma aberta e pronta a sofrer, e a redescobrir sempre com a alegria e a emoção da primeira vez, a maravilha reflectida, naquele tão conhecido,mas sempre novo olhar.
Pobre homem que se resume a uma rotina onde ele, à mesa do café, se transformou no espectador triste e cansado de si próprio...
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Anónimo |
16 dezembro, 2005 00:51
Obrigada Raque, por presentear com tão belos textos!!
Este tocou-me particularmente...
não sei explicar o porquê...mas revi-me com o mesmo pensamento para alguém....já há muitos anos passados...também fiquei olhando saudosamente um amor perdido nas brumas...mas não tive a coragem do final do texto...escondi as lágrimas que teimosamente rolaram e saí!
Quanto ao resto do blog...maravilhoso...como só a Raquel nos sabe brindar!!
Bjs......................Maria
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Páginas Soltas |
16 dezembro, 2005 15:45
Hoje não venho comentar-te!:) Apenas quero deixar-te um beijo com votos de Feliz Natal e um óptimo ano de 2006.
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agua_quente |
16 dezembro, 2005 23:12
Olá Raquel,
Estou profundamente comovido pela lembrança que tiveste em enviar-me aquele e-mail.
Muito Obrigado pela amizade dispensada.
Desejo-te um FELIZ NATAL e um NOVO ANO cheio de coisas boas.
Beijinhos
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fotArte |
19 dezembro, 2005 15:05
Excelente, Ana!
Espero vir a ler, um dia, todos estes textos em livro...com uma das tuas belíssimas capas :)
Beijinhos de Natal!
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Mitsou |
19 dezembro, 2005 15:47
Ana,
A Beleza pode ser expressa de diversas formas...umas mais virtuais do que outras.
A Amizade flutua em sonetos diversos, pontuados ou desgarrrados na surrealidade dos sonhos.
Os insectos virtuais, que me zonzuam o espírito, e que pontuam o meu cursor, perdido nos oceanos da madrugada,que se antecipa, enchem-me de admiração, por um blog que nos entra pela alma dentro.
Bjs
APIUR
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APIUR |
20 dezembro, 2005 00:10
Está assim muito... encantador =)
Mesmo Raquel, a meio já ñ estava completamente a alcançar os vectores da história mas depressa os retomei.
Muitas vezes isso me sucede tb, essa aparente compreensão total e silenciosa do 'outro'.
Sei q é ficção, mas tb sei q pões (e pomos todos, acho) muito de ti no que escreves.
E digo-te que és uma pessoa linda :)
Beijinho
PS: Na impossibilidade de comentar o post/poema que se segue, digo-te apenas que devias mandá-lo ou mostrá-lo à pessoa a quem o diriges. «foste a razão (...) pq ainda sei amar com tnt intensidade...» LINDO!
***
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Anónimo |
22 dezembro, 2005 10:35
As palavras deveriam ser belas, ajudam por vezes á dês formatar, reflexões que se tornam físicas, para isso devemos ser de palavra, acreditar no ser dito humano, criador de artes harmónicas, na oscilação dos corpos em unimos de vidas fora do isolamento, propagandeado pelos mercantis que nos prometem felicidade no subjectivismo de gozar do fruto da vida que é de todos.
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Impensamental |
22 dezembro, 2005 15:44
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