20 janeiro, 2006 

Eterna e etérea redoma
Em que me protejo
Desta ânsia que prevejo inútil,
Sinto-a rasgar-se em mil fendas
Que oculto desesperada
Dos olhares atentos, famintos

É verdade

Nunca fui capaz de gerir rimas
Condenar factos precisos
Simplesmente materializar tempestades
Furtar instantes, paixões fugidias
Estilizar retratos de mim
Sem controvérsia
Apenas inércia

Sim

Poderia tecer
Milhares de casulos,
Entrelaçados de lágrimas,
Melancolias, receios,
Indecisões, incertezas…
Neste sulco de imperfeições
Onde outrora se agigantou
A infalibilidade
Já só o desdém permanece

Acuso-te, acuso-me

Não soube descobrir-te
Sem perder-me entre muros,
De encruzilhadas sem fim,
Sem esbarrar em mim.
Não desejo que faça sentido
Ou até que faça diferença
Tornei-te irrelevante

O animal irrompeu do teu âmago
Enfrentou-me, coagiu-me
E o corpo anestesiou-se-me
As terminações nervosas
Determinaram-me o coma
Sim, isso mesmo
Contemplei-te nu, igual a tantos outros
Desejos submersos sob o teu olhar sem amor
Raiado de sangue de mim

Julguei-te e expulsei-te
Fim

09 janeiro, 2006 

O perfume das drogas
Mantém-se no ar que se respira,
A anestesia a frio,
O murro no estômago
Traz-me à superfície.
O efeito viciante de ser-se desejado
Extingue-se lentamente

Sai-se de uma embriaguez mortal.
Ainda que esta seja meramente
A falha num neurotransmissor,
Resta a tremenda sensação de ressaca
Que se principia,
Que se transforma em melancolia,
Adormecimento

A tristeza que é uma outra forma de adição.

Grito
Tento perceber que livros leste,
Ou que bíblia decoraste,
Grito
Como tiveste coragem de me julgar e condenar?
Achaste por acaso que me traficava por um nome impresso?
Eu, que vi o meu nome a negro e senti uma náusea?

Hoje,
O sangue diluiu a droga,
O coração retornou à sua cavidade original.
Mas não esqueci que paguei a peso de ouro ver-me impressa...
Já não te devo nada... nem mesmo sequer a mim...
A raiva, o nojo, a dor, o irreversível,
Resvalaram para os limites do vazio...

Vejo-te qual espantalho, agitando-se
Eternamente contra o vento.
Os passantes despir-te-ão lentamente
E quando um dia te vestirem de novo
Para a última contradança
Já não saberei quem és...
Nem tu.