28 dezembro, 2005 

Aproxima-se a mágoa que investe, qual vaga imensa em noite de tempestade contra a rocha, para me transformar em areia fina, de múltiplos sentimentos e me espalhar na ventania sem direcção traçada.
Redescubro que as diferentes formas de amar se sobrepõem umas às outras, descoordenadas.

E quando temos que virar costas a um amor, um amor tão eterno e intenso que não tem nome... Surgem as sombras do passado, determinadas a enterrar estilhaços de espelhos, na nossa alma. Cada um deles reflectindo cenas no pretérito. Porquê...? Não derramo sangue nem lágrimas, apenas uma apatia que não se volatiliza no passar das horas e aumenta, inexplicável, como se fosse nevoeiro que rodopia e se adensa, penetrando-me o íntimo...
A pedra cinza, escura, nostálgica, surge-me em pesadelos e não me aceita porque o Tejo ainda clama por mim... Oiço o seu suspiro gélido nas noites frias de Inverno.
Este amor desmedido corrói-me as entranhas e retalha-me lentamente numa incerteza silenciosa. Onde estiverem sorrisos, verei os meus, mas em outros lugares, outros passeios, outras árvores.
Acedeste novamente ao meu pedido e tremo. Qual será a troca? A razão desfeita, o sangue a bombear por artérias rasgadas, a esgotar-se na palidez da minha pele, na melancolia do meu olhar... O vazio, ou algo mais...?

19 dezembro, 2005 

Renovação...
















Fotografia e texto: Raquel Vasconcelos

09 dezembro, 2005 

Palavras cruzadas

Eras um homem belo, sereno. Trinta e poucos anos e traços de rosto suaves. Vivias resguardado pela calma que o teu olhar projectava no cosmos. Tinha a certeza que delineavas a vida através da quietude oceânica desse olhar que tacteava suavemente a imensidão que é a descoberta do eu.
Hoje, dez anos passados, encontro-te na mesma mesa da pastelaria que ocupavas sempre com alguma companhia nova. Observei-te discretamente e adivinhei um cintilar de aço, uma raiva muda, uma necessidade de cerrar as pálpebras e ignorar que ainda tens outro tanto de percurso à tua frente. Pequenas rugas tornaram-se nítidas. Sofres, sinto-o. Chegaste aqui e a vida traiu-te. Amaste e perdeste. Recordas a ânsia com que descobrias o horizonte, protegido pelo teu olhar. Um olhar que no passado me hipnotizava, porque tudo em ti respirava azul.
O brilho de aço assusta-me.
Recusas as rugas, o espelho, as falhas humanas a que a vida te obrigou. A tua perfeição anilada fugiu-te por entre os dedos. A dúvida domina-te. Segues em frente ou quedas-te imóvel e sem fantasia? Conversas contigo silenciosamente. Monólogos a descoberto de ninguém. Monólogos invisíveis que nem eu descortinaria se não fossem as pequenas rugas na testa que te denunciam. Desenha-se-te um ar surpreso no semblante. A traição da vida deixa-te perplexo, não esperaste por ela prevenido, encontrou-te nu, sem defesa e não teve pudor em entrar por ti adentro qual fantasma do qual nem a brisa sentiste.
Sinais, rugas, espelhos, amores, traições e lágrimas. Revolves tudo em busca de um sentido, de uma resposta e as areias movediças que não soubeste pressentir avassalam-te.
Um relâmpago, um solavanco e a vida tornar-se-ia outra. Esperas tão inutilmente que te digam de forma cifrada que caminho seguir... Esqueces o essencial... Não temos domínio sobre o imperceptível e os sinais que buscas surgem do nada, inundam-nos e arrebatam-nos, sem regras nem traduções à letra ou entendimentos palpáveis.
Adivinho-te porque ouvia as tuas reflexões - no vazio porque as tuas companheiras sorriam como se fossem máscaras num Carnaval em Veneza - e invisível na minha adolescência continuava as palavras cruzadas, atenta.
Levanto-me da minha mesa - ainda faço palavras cruzadas imagina - aproximo-me da tua e sento-me. Sorrio e pergunto-te se te lembras da miúda a quem emprestavas a caneta.

01 dezembro, 2005 

Devoro os instantes em que o vento me bate na cara e fecho os olhos... Sim, sei que escrevo como se o futuro fosse morrer no segundo imediato.
Já vivi unicamente anestesiada pela correria dos dias que se evaporavam, os natais que se esgotavam, as passagens de ano sem emoção.
Num dia qualquer, dei-me conta que deixara de aproveitar a vida, que esta passava célere, irónica, prestes a mostrar-se sem sentido e que já nem eu tinha lugar dela.
E ainda assim sorria, gargalhava, inventava planos. Inventava tantos planos... tantos que nunca poderás imaginar. Uns eram azuis, outros falavam de mar, sei lá quantos viviam de pequenos passeios nas avenidas, apenas a saborear a paz do momento e um gelado de morango, sem pensar que iria ver o mundo ruir ali mesmo à minha frente... Apenas a contemplar as montras.
E o universo virou a minha vida do avesso. Ensinou-me que existiam palavras para ser escritas, sonhos para reinventar. E os dias tornaram-se longos, verdadeiros carrosséis de emoções... Tudo ou nada, lágrimas ou sorrisos. A raiva e ânsia misturadas ao som de músicas que ainda hoje oiço.

Não soube escutar o universo na sua plenitude. Deixei-me envolver em culpa e medo. Senti-me uma efémera borboleta... E desisti. Esbarrei contra mim mesma. E aí o universo zangou-se. Tornou-me anónima no meio do nada. Deixei de usar a aliança, e guardei o anel de noivado, de pérolas e diamantes num pequeno baú. Escondi-me em sonhos antigos, desfeitos contra os rochedos que antes amei. Passo os dias muda. Chego ao final do dia e a voz sai rouca, como se tivesse gritado a plenos pulmões. Tenho vivido a adiar o fim e a transbordar de vontade de viver. É um contra-senso, não é? Até porque apenas exijo amar...