09 abril, 2006 

Acusam-me
De frases bombásticas,
Parágrafos incriminatórios,
De construir metáforas,
Teses ensurdecedoras
{Um tanto ou quanto demolidoras}

São apenas armas, argumentos
Os danos colaterais não me afectam


Pergunto,
Vêem-me sorrir?
Não…
Porque sou a resposta ao medo.
O vendaval que chega,
A implosão da hipocrisia.

E supero {de longe} todas as expectativas…

11 fevereiro, 2006 

Suspenso,
Delineado, exposto, decomposto,
drenado da tua pulsão pela cor.
Transformei-te em traços e contornos a carvão,
Concebi atalhos, empalideci,
O meu sangue latejou em gradações de cinza,
Descoloridas todas as ramificações arteriais.

Um dia, do nada,
Ensinaste-me que a poesia também tem uma estética divina.

A mente divaga entre a maré, a areia,
A gaivota que passeia...
Foste uma constante desconcertante.

O teu epílogo... Esse...
Interpretei-o com génio.

Garanto

20 janeiro, 2006 

Eterna e etérea redoma
Em que me protejo
Desta ânsia que prevejo inútil,
Sinto-a rasgar-se em mil fendas
Que oculto desesperada
Dos olhares atentos, famintos

É verdade

Nunca fui capaz de gerir rimas
Condenar factos precisos
Simplesmente materializar tempestades
Furtar instantes, paixões fugidias
Estilizar retratos de mim
Sem controvérsia
Apenas inércia

Sim

Poderia tecer
Milhares de casulos,
Entrelaçados de lágrimas,
Melancolias, receios,
Indecisões, incertezas…
Neste sulco de imperfeições
Onde outrora se agigantou
A infalibilidade
Já só o desdém permanece

Acuso-te, acuso-me

Não soube descobrir-te
Sem perder-me entre muros,
De encruzilhadas sem fim,
Sem esbarrar em mim.
Não desejo que faça sentido
Ou até que faça diferença
Tornei-te irrelevante

O animal irrompeu do teu âmago
Enfrentou-me, coagiu-me
E o corpo anestesiou-se-me
As terminações nervosas
Determinaram-me o coma
Sim, isso mesmo
Contemplei-te nu, igual a tantos outros
Desejos submersos sob o teu olhar sem amor
Raiado de sangue de mim

Julguei-te e expulsei-te
Fim

09 janeiro, 2006 

O perfume das drogas
Mantém-se no ar que se respira,
A anestesia a frio,
O murro no estômago
Traz-me à superfície.
O efeito viciante de ser-se desejado
Extingue-se lentamente

Sai-se de uma embriaguez mortal.
Ainda que esta seja meramente
A falha num neurotransmissor,
Resta a tremenda sensação de ressaca
Que se principia,
Que se transforma em melancolia,
Adormecimento

A tristeza que é uma outra forma de adição.

Grito
Tento perceber que livros leste,
Ou que bíblia decoraste,
Grito
Como tiveste coragem de me julgar e condenar?
Achaste por acaso que me traficava por um nome impresso?
Eu, que vi o meu nome a negro e senti uma náusea?

Hoje,
O sangue diluiu a droga,
O coração retornou à sua cavidade original.
Mas não esqueci que paguei a peso de ouro ver-me impressa...
Já não te devo nada... nem mesmo sequer a mim...
A raiva, o nojo, a dor, o irreversível,
Resvalaram para os limites do vazio...

Vejo-te qual espantalho, agitando-se
Eternamente contra o vento.
Os passantes despir-te-ão lentamente
E quando um dia te vestirem de novo
Para a última contradança
Já não saberei quem és...
Nem tu.

28 dezembro, 2005 

Aproxima-se a mágoa que investe, qual vaga imensa em noite de tempestade contra a rocha, para me transformar em areia fina, de múltiplos sentimentos e me espalhar na ventania sem direcção traçada.
Redescubro que as diferentes formas de amar se sobrepõem umas às outras, descoordenadas.

E quando temos que virar costas a um amor, um amor tão eterno e intenso que não tem nome... Surgem as sombras do passado, determinadas a enterrar estilhaços de espelhos, na nossa alma. Cada um deles reflectindo cenas no pretérito. Porquê...? Não derramo sangue nem lágrimas, apenas uma apatia que não se volatiliza no passar das horas e aumenta, inexplicável, como se fosse nevoeiro que rodopia e se adensa, penetrando-me o íntimo...
A pedra cinza, escura, nostálgica, surge-me em pesadelos e não me aceita porque o Tejo ainda clama por mim... Oiço o seu suspiro gélido nas noites frias de Inverno.
Este amor desmedido corrói-me as entranhas e retalha-me lentamente numa incerteza silenciosa. Onde estiverem sorrisos, verei os meus, mas em outros lugares, outros passeios, outras árvores.
Acedeste novamente ao meu pedido e tremo. Qual será a troca? A razão desfeita, o sangue a bombear por artérias rasgadas, a esgotar-se na palidez da minha pele, na melancolia do meu olhar... O vazio, ou algo mais...?

19 dezembro, 2005 

Renovação...
















Fotografia e texto: Raquel Vasconcelos

09 dezembro, 2005 

Palavras cruzadas

Eras um homem belo, sereno. Trinta e poucos anos e traços de rosto suaves. Vivias resguardado pela calma que o teu olhar projectava no cosmos. Tinha a certeza que delineavas a vida através da quietude oceânica desse olhar que tacteava suavemente a imensidão que é a descoberta do eu.
Hoje, dez anos passados, encontro-te na mesma mesa da pastelaria que ocupavas sempre com alguma companhia nova. Observei-te discretamente e adivinhei um cintilar de aço, uma raiva muda, uma necessidade de cerrar as pálpebras e ignorar que ainda tens outro tanto de percurso à tua frente. Pequenas rugas tornaram-se nítidas. Sofres, sinto-o. Chegaste aqui e a vida traiu-te. Amaste e perdeste. Recordas a ânsia com que descobrias o horizonte, protegido pelo teu olhar. Um olhar que no passado me hipnotizava, porque tudo em ti respirava azul.
O brilho de aço assusta-me.
Recusas as rugas, o espelho, as falhas humanas a que a vida te obrigou. A tua perfeição anilada fugiu-te por entre os dedos. A dúvida domina-te. Segues em frente ou quedas-te imóvel e sem fantasia? Conversas contigo silenciosamente. Monólogos a descoberto de ninguém. Monólogos invisíveis que nem eu descortinaria se não fossem as pequenas rugas na testa que te denunciam. Desenha-se-te um ar surpreso no semblante. A traição da vida deixa-te perplexo, não esperaste por ela prevenido, encontrou-te nu, sem defesa e não teve pudor em entrar por ti adentro qual fantasma do qual nem a brisa sentiste.
Sinais, rugas, espelhos, amores, traições e lágrimas. Revolves tudo em busca de um sentido, de uma resposta e as areias movediças que não soubeste pressentir avassalam-te.
Um relâmpago, um solavanco e a vida tornar-se-ia outra. Esperas tão inutilmente que te digam de forma cifrada que caminho seguir... Esqueces o essencial... Não temos domínio sobre o imperceptível e os sinais que buscas surgem do nada, inundam-nos e arrebatam-nos, sem regras nem traduções à letra ou entendimentos palpáveis.
Adivinho-te porque ouvia as tuas reflexões - no vazio porque as tuas companheiras sorriam como se fossem máscaras num Carnaval em Veneza - e invisível na minha adolescência continuava as palavras cruzadas, atenta.
Levanto-me da minha mesa - ainda faço palavras cruzadas imagina - aproximo-me da tua e sento-me. Sorrio e pergunto-te se te lembras da miúda a quem emprestavas a caneta.